O ciúme é um
terrível mal que assola os relacionamentos, causando dor, amargura e morte.
Muitas teorias já foram levantadas, vários questionamentos já foram feitos e
muitos apontam o ciúme como sendo algo normal, algo que faz parte de todo e
qualquer relacionamento, ou ainda um indicativo de que o amor está presente e
se manifesta através do “cuidado” que o ciúme demonstra. Creio que o ciúme pode
ser, acima de tudo, patológico, uma doença que necessita de urgente cura.
Mais do que qualquer
outro fator existente, quer direto ou indireto, objetivo ou subjetivo, o ciúme
é um câncer que aos poucos corrói qualquer relacionamento amoroso,
desgastando-o e tornando-o nocivo aos amantes. Em um mundo de disputas, de
necessidade de afirmação, de banalização da vida, do sexo e da paixão, o ciúme
é mais que um sentimento indesejável, é uma arma constantemente apontada e
engatilhada, ameaçando os corações. Os que brigam, se separam e matam por ciúme
deveriam repensar suas atitudes e as motivações que as precederam, percebendo o
mal que causam a si mesmo e ao ser amado. Existem ainda aqueles que ainda se
orgulham de ter ciúmes e julgam com isso ajuntar honras dobre suas cabeças.
Além disso, existe
aquilo que se pode chamar de “ciúme maldoso”. Neste caso é freqüente que um dos
parceiros induza o outro ao ciúme numa clara demonstração de auto-afirmação.
Ele precisa mostrar para si mesmo que é amado e que tem o outro sob controle.
Talvez isto não parta diretamente de uma insegurança de si e do outro, mas de
uma clara prepotência, de uma demonstração de superioridade.
Por tudo isso, o
ciúme não deve causar orgulho, mas tristeza e um cuidado extremo, porque ele
engloba três pontos negativos:
Insegurança decorrente de baixa auto-estima
Quando o amante
ciumento percebe que outro indivíduo aproxima-se de seu par, vê aí um sinal de
alerta, de perigo iminente. Isto acontece porque ele enxerga no outro um
adversário em potencial, alguém com qualidades superiores às dele que poderá
fazer com que o ser amado lhe dê preferência e o abandone. O ciumento pensa nas
qualidades físicas (ele é mais bonito e mais forte que eu...), intelectuais
(ele é mais inteligente, mais desenrolado...) e sociais (ele é melhor do que eu
porque possui um carro, se veste melhor...). Por não se valorizar, acha que
também não será valorizado por seu par e por isso fica alerta. Ele não
compreende, porém, que esta guerra só existe em sua mente e na alucinação
compulsiva causada por seu ciúme doentio.
Desconfiança baseada num conhecimento
insuficiente do ser amado
Deste modo, ele
julga seu par e desconfia de cada olhar seu, de cada conversa com amigos, de
cada momento a sós com qualquer pessoa. Todas as palavras e atos proferidos
passam por uma peneira de preconceitos que não deixa escapar nada. Cena comum:
o casal está numa praça namorando. A moça olha para o lado e fixa os olhos em
algum ponto aleatoriamente. O rapaz logo pergunta bravo: “Está olhando pra
quem?”. Ele não está querendo com isso dizer: “Estou com ciúme do seu olhar”,
mas “Desconfio que você está me traindo, paquerando com outro”. Desconfiando
assim, desconfia-se também de que o amor que o outro diz sentir é falso, pois
quem ama não trai. Quando amamos alguém e sabemos que este alguém nos ama,
devemos estar seguros de sua fidelidade.
Sentimento de posse
O amante trata o ser
amado como um objeto de uso exclusivo seu. Não como uma pessoa, um ser humano
com necessidades físicas, emocionais e espirituais, mas como um “móvel”
adquirido com nota fiscal e termo de garantia. Não permite-lhe sair com amigos
e/ou amigas, freqüentar certos lugares, usar certos tipos de roupas, trabalhar,
falar ao telefone... Será que isto é amor? Será que o amor pode sobreviver a
isto? Alguns dirão: você não disse que o amor jamais acaba? Sim, o amor jamais
acaba, mas a capacidade do ser humano de amar é limitada por diversos fatores e
o ciúme é um deles. O amor continuará existindo, esperando as condições
favoráveis para crescer e se multiplicar. O ciúme funciona como uma erva
daninha num jardim, matando as plantas, as flores. Ou pior: como uma doença que
afeta o botão antes que este se abra em flor.
Até mesmo as pessoas que jamais sentiram
amor por alguém podem sentir ciúmes de outras pessoas, quer sejam amigos,
parentes ou amantes. Nas palavras do doutor Flávio Gikovate:
Elas têm medo de perder os privilégios associados àquele
parceiro. Temem perdê-lo até mesmo porque se sabem más companhias, sempre
dispostas a levar vantagem e quase nunca disponíveis para agradá-lo.[1]
O ciumento geralmente não vê a pessoa amada como alguém que
deva respeitar suas individualidades, confiar e amar incondicionalmente, mas
como alguém que tem algo a lhe proporcionar, quer seja prazer sexual ou
segurança financeira. O medo de perder estas facilidades é que faz com que ele
aja impulsionado pelo ciúme, demarcando o seu território e fincando suas
bandeiras. Em seu espaço limitado, o ser amado só tem condições de agir dentro
daquilo que ele considera seguro – para si.
Apesar de todas estas considerações, o ciúme necessita ser
visto, também, como parte da nossa condição humana de insegurança e incerteza,
como bem atesta o autor supracitado. Faz parte da nossa humanidade sentimo-nos
inseguros quanto à diversos aspectos da nossa vida. O ser humano é um ser incompleto,
que busca a perfeição e que está muito longe de conhecer-se completamente. Suas
origens e seu destino fazem parte de uma nuvem nebulosa que ele é incapaz de
penetrar até as suas profundezas. Esta insegurança causa este sentimento de
dúvida e medo que imperam em alguns relacionamentos. Quanto mais pleno o ser
humano for, mais consciente de si mesmo e do mundo que o cerca; quanto mais
completas as leituras que ele pode fazer destas coisas, mas se aproximará de um
viver mais seguro, longe da dúvida e perto da segurança. Mas este é um processo
longo que pode se estender por toda uma vida. Não devemos ter vergonha de ser
assim ou medo de errar, pois isso demonstra que somos humanos. Fortes são os
que conseguem reconhecer isto e buscar mudança. Fracos são os que nem se quer
se preocupam com estas questões, achando-se fortes e preferindo continuar na
condição de inseguros e temerosos.